Entrevista concedida ao jornalista José Augusto Ribeiro, no Programa Debate Brasil, produzido pela AEPET (Associação dos Engenheiros da Petrobrás e retransmitido por 59 Tvs Comunitárias de todo o Brasil.

Nela, Franciso Soriano fala sobre seu ingresso na vida sindical, sua militância nos movimentos de resistência a luta armada contra a ditadura e sobre o seu livro A Grande Partida, Anos de Chumbo.
LEIA, ABAIXO, A ENTREVISTA:


Como você se tornou sindicalista e o que aconteceu na sua vida de líder sindical depois de 64?
Em 1968, foi feita uma anunciada abertura pelo coronel Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho. Ele assegurava que iria levantar as chamadas intervenções nos Sindicatos e quem quisesse poderia se preparar para fazer sua chapa. Foi nesse contexto que nosso grupo se organizou.

Então quer dizer que entre 64 e 68, os Sindicatos funcionaram em condições melhores?
Não, péssimas. Na verdade, sob intervenção. Logo depois do Golpe, o Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, sofreu intervenção e praticamente ficou nas mãos, logo nos primeiros dias, de tropas do Exército, que, no Sindicato e nas unidades da Petrobrás, fizeram uma devassa. Depois, houve eleições com chapa única. Não havia mais condições dos independentes, dissidentes ou opositores, comporem uma chapa porque estavam todos respondendo a IPM´s (Inquérito Policial Militar), sofrendo demissões em massa e prisões. As torturas já começaram ali.

Antes do AI 5, já havia tortura?
Já, já havia sim. Havia desaparecimento de líderes sindicais, camponeses. A tortura se institucionaliza depois com o AI-5.

Em 64, houve denúncia de tortura em Pernambuco e o general Castelo Branco, que era o novo chefe do Governo e o novo Presidente, mandou a Pernambuco o general Ernesto Geisel, o Chefe do Gabinete Civil, que parece agiu com muita firmeza e conseguiu impedir que isso prosseguisse. Houve, logo nos primeiros momentos do levante de 64, aquele ato horrível e humilhante para o Brasil, no tratamento dado ao Gregório Bezerra, sendo arrastado pelas ruas como se fosse um bicho. Mas, enfim, o general Geisel era um homem muito enérgico, foi lá e conseguiu dar um jeito.

Mas, então, foi no governo Costa e Silva na crise do AI 5 que a coisa começou a esquentar?
A partir daí, os grupos de esquerda começam a oferecer resistência de forma mais radical.

A luta armada começou, então, depois do AI- 5?
Não. Já, em 67, havia a cisão do PCB que desagua no PCBR, na dissidência, que vai se chamar ALN, do Marighella. Antes, houve a dissidência que foi a criação do PC do B em 62, A partir daí, os dois lados radicalizam em sua posturas táticas e estratégicas de luta e Marighella volta de Cuba com outras posições no que diz respeito ao partido, à maneira de conduzir a constestação, sempre cobrando do Comitê Central do PCB uma autocrítica sobre o golpe de 64. Esse movimento, dependendo do Estado, vai dar origem a uma multiplicidade de organizações. Aqui no Rio, o PCBR foi quem reuniu maior força.

A qual organização você se filiou?
Nós estavámos inicialmente numa base do PCB, mas as bases sabiam muito pouco e os coordenadores ou assistentes já estavam determinados a sair e fundar um outro partido. Criou-se o PCBR oriundo de um racha que houve no Comitê Central, com o Apolônio de Carvalho, Jacób Korender e o jornalista Mário Alves, que teve um fim trágico, bárbaro. Morreu na tortura.

O velho Partidão não queria luta armada, ele preferia movimentos populares. O PCBR já partiu para luta armada?
Sim, ele tinha essa concepção, mas, sem negar a necessidade da existência do partido para a condução da luta armada.

Você foi preso em função do seu envolvimento na luta armada?
Sim, O PCBR já começava a ser questionado por estar muito burocratizado. Os argumentos que o Carlos Marighella usava, que vêm das diretrizes das OLAS (Organização Latina-Americana de Solidariedade), tiradas em Cuba, pois foi lá que aconteceu a Conferência e se cogitou que os partidos eram muito pesados e fáceis de serem combatidos. A própria organização do Marighella era tachada pelo pessoal do PCBR e pelo PCB de anarquista, por não ter um comando único. 
A coisa funcionava mais ou menos assim: eram grupos de quatro militantes, caso um grupo caísse não implicaria em cair toda a organização, pois quem conhecesse aquele grupo, não conheceria os grupos de outras bases. Basicamente, era em cima dessa concepção de segurança que o Marighella se baseava, pois na experiência Cubana o partido só teria aderido depois, a Revolução em Cuba foi feita à revelia (do Patido Comunista), conforme ressalta a Teoria do Foco.

A vinda do Che Guevara para a Bolívia alimentou muito em toda a América Latina e em outros continentes impulsos chamados “foguistas”: um pequeno grupo poderia fazer igual ao que Fidel tinha feito em Cuba. Mas, a experiência do Che na Bolívia, teve aquele fim trágico. É muito bonito, mas não tinha como dar certo. Você também entrou na ALN (Ação Libertadora Nacional) do Marighella; essa tinha uma ação quase militar, mais efetiva ou não?
Exatamente, nós pensávamos assim: vamos morrer sem dar um tiro, falando em luta armada e nada fazendo efetivamente. Nessa altura, a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) do Lamarca e do grupo Marighella já estavam começando a fazer ações e por outro lado, a própria Igreja, através da teoria do “Populorum Progressio” ou Progresso dos Povos de Paulo VI, fala do direito do povo fazer uma revolução para se livrar de uma tirania prolongada e cruel, como estava se tornando.

Sim. Isso vinha de Tomás de Aquino no Século XIII. Mas, enfim, houve uma febre e muito sacerdotes dominicanos se sacrificaram no Rio, São Paulo. O pessoal queria fazer luta armada, em função disso você foi preso, passou horrores e mais adiante, no livro, você fala que tempos depois mudou de idéia. Eu não sei se é o caso de nós focarmos os nossos telespectadores com a reconstituição que está no seu livro, do que você foi obrigado a viver na prisão, ou se é o caso de nós, deixar para quem for ler o livro, que pára, respira fundo, toma um copo d´água… Mas, você mais adiante diz que reconsiderou essas posições.Como isso aconteceu?

Quando eu saí da prisão, fiquei na casa de alguns companheiros do PCB, dentre eles, um que foi deputado da Constituinte de 1945: o doutor Alcedo Coutinho, do Comitê Central. Ele tinha vivido a luta armada em 1935. Com sua experiência e cultura, me dizia que nós não podemos jamais capitular. ‘Mas, essa forma de luta, em que vocês se reunem em pé, tensos, cansados, fustigados, não dá para planejar nada de forma clara, consequente e precisa. Você nunca estará com sua mente em alfa”, argumentava. 
Ele também ponderou algumas coisas. Por exemplo: os guerilheiros do Vietnam, sem diminuir o valor deles, dispunham de duas superpotências: a China e a então URSS que, através da trilha Hop Chi Minch, os abasteciam com alimentação, armamentos como os mísseis terra-ar que tirou de combate a aviação americana, informações, enfim, um apoio logístico completo; e nós, quem tínhamos para nos abastecer? 
Mas, nem as palavras do doutor Alcedo me fizeram abandonar aquela forma de luta. Eu já havia saído da prisão e precisava reencontrar meus companheiros que tinham, não só o poder de persuassão, mas aquele ímpeto combativo. Tudo aquilo somado com a ardência da mocidade me fizeram continuar. Resolvi então, ir para Belo Horizonte; lutar onde não estava conhecido. 
Todavia, as coisas estavam muito esfaceladas. Já falávamos, claramente, da necessidade de reacumular forças, de repensar ou fazer uma grande conferência, que no Brasil não seria mais possível, teria que ser no exterior. 
Em 1970, venho de Belo Horizonte ao Rio e converso com José Milton Barbosa, razão maior da existência desse livro.

Quem foi seu Comandante em uma dessas unidades? Você dedica o livro a ele?

Sim, O José Milton era sargento e radiotelegrafista lotado na sede do Ministério do Exército. Foi quem primeiro nos passou a notícia de que havia recebido um telegrama confidencial a todas as unidades das Forças Armadas, dando conta de que um capitão do Exército desertou com um caminhão cheio de armas. Então, as coisas estavam ficando difíceis para o governo. Aquilo foi uma espécie de injeção de ânimo para todos. Voltando, então, a 1970. Nós montamos em Belo Horizonte uma base, como apoio logístico. Os militantes que estivessem correndo risco teriam onde ficar alojados. Esses quadros extremamente jovens, ao chegarem em Belo Horizonte, começaram a pensar diferente daquilo que o comando queria. Pois lá, não seria um local para ser deflagrado.
No curto prazo, aqueles companheiros estavam contrariando normas mínimas de segurança. Nesta altura, nós já estávamos muito desarticulados e o José Milton mostrava-se também preocupado com a situação. Grosseiramente, diria que nós éramos uma espécie de bando de Lampião, entende-se, não um movimento criminoso, erámos jovens idealistas, pessoas solidárias, companheiras, tínhamos uma perspectiva de governo, de moral, de ética. Mas, o clima talvez fosse aquele dos últimos [combatentes] de Lampião. José Milton estava disposto a “furar” a fronteira.

Como se completou essa transição? Você chegou a conclusão, que está exposta em seu livro, de que aquele não era o caminho para o Brasil, como foi o desfecho disso?

Então, com o José Milton, fiz um trato (a parte muito emocionante do livro): o que sobrevivesse escreveria a História. Gloriosa, dura e trágica. Razão de ser deste livro. Em Campina Grande, meses depois, mais tranquilo, eu continuava em minhas reflexões, lendo muito, estudando a História do Brasil, a Revolução de 35, lendo cinco jornais por dia, até futebol, para ter assunto, pois, a rigor, nós éramos até chatos, só falavámos em política… A população sabia que estávamos fazendo luta armada há vários anos, haja vista Araguaia. Por que não nos acompanhou? 
Então, comecei a perceber que o caminho a ser seguido seria o da via pacífica, “com paciência revolucionária”, como falou Mao Tsé Tsung. A História e a vida me mostraram que a via da luta armada não era consequente dentro do cenário geopolítico, social, cultural e econômico que estávamos inseridos. Ficou claro que a mobilização, os movimentos de massa, conjugando a luta sindical e estudantil, com o trabalho da imprensa, iriam derrotar a ditadura, pois ela cairia na impopularidade e na execração. 
Faço aqui, uma homenagem à imprensa, que contribuiu muito, ao nosso prefaciador, Modesto da Silveira, advogado, que era o único canal de comunicação que tínhamos para receber e transmitir informações para fora do presídio.

Modesto pagou um preço alto pela defesa dos presos políticos. Foi seu advogado e um dos maiores defensores dos perseguidos no Brasil. Modesto, Heleno Fragoso, Sussekind, Evandro Lins …

Com certeza. E também, o papel do professor. Eu me lembro de vários, como Portocarrero, vide o apêndice de Rubin Aquino, denunciando, sendo cassado, preso e torturado.